29/07/2009

Soichiro Honda - Sonhos realizados com trabalho árduo


Não faltaram dificuldades, mas Soichiro Honda deixou um exemplo de como perseguir seus ideais.

Até a Segunda Guerra Mundial, a importância do Japão no cenário automobilístico mundial era desprezível, embora o país já fabricasse carros na virada do século XIX para o XX e marcas como Mitsubishi tenham se estabelecido antes de 1920. Mas um homem teria grande papel na transformação da indústria nipônica de carros no que conhecemos hoje: Soichiro Honda.

Nascido em 17 de novembro de 1906 em Yamahigashi, Soichiro cresceu ajudando seu pai, Gihei Honda, a consertar bicicletas na pequena cidade de Komyo. Gihei transmitiu a seus filhos o valor do trabalho árduo e um interesse pela mecânica. O pequeno Soichiro era muito curioso pelo assunto, do maquinário da fazenda onde morava ao moinho de arroz mecanizado de um local próximo, que ele visitava todos os dias com seu avô para ver a engenhoca funcionar.

Com 11 anos, pegou escondido uma bicicleta da família e rodou com ela 20 quilômetros, até um local que não conhecia, a fim de assistir à apresentação de um avião militar.

Quando viu o primeiro automóvel de sua vida, o garoto não se conteve: saiu correndo atrás do veículo por quanto tempo pôde. Perguntava-se como aquilo podia se mover por si mesmo, sem um cavalo que o tracionasse. Aos 16 anos foi para Tóquio, a 270 quilômetros dali, trabalhar como aprendiz na oficina mecânica de carros e motos Art Shokai.

Insatisfeito com a idéia de que um homem precisasse se arrastar sob um carro para efetuar reparos, Soichiro inventou o elevador para serviços em automóveis.

Participou também de competições, mas depois de um sério acidente em 1936, que feriu mais seu irmão — o mecânico Benjiro — que a ele próprio, sua esposa Sachi o convenceu a abandonar o esporte. Contudo, a oficina não era suficiente para satisfazer Honda. No ano seguinte, aos 31 de idade, ele passava a fabricar anéis de pistão para motores trabalhando à noite enquanto de dia mantinha a Art Shokai. Logo seria presidente da fábrica de anéis, a Tokai Seiki.

Após ouvir a negativa de um potencial cliente que duvidava da qualidade do produto, Soichiro buscou formação técnica e passou a cursar a Escola de Tecnologia de Hamamatsu.

Não seguia o padrão de um bom aluno, porém: negava atenção a qualquer assunto que não se relacionasse a anéis e pistões e não fazia provas escritas. Ameaçado pela diretoria de não receber diploma ao fim do curso, respondeu que o documento valeria menos que um ingresso de cinema: "O bilhete garante um lugar para assistir ao filme, mas um diploma não garante trabalho a ninguém", alegou. Honda refutava o gakubatsu, hábito da indústria japonesa na época de valorizar a formação educacional do funcionário acima de seu conhecimento para o trabalho.

A guerra trouxe dificuldades à Tokai Seiki, que teve a unidade de Yamashita destruída por um bombardeio. Como se não bastasse, a fábrica de Iwata veio abaixo com o terremoto Nankai, em 1945. Após o fim do conflito, em meio a um Japão destruído, Soichiro fundava o Instituto de Pesquisa Técnica Honda para atuar em diferentes áreas de engenharia e manufatura. Depois de instalar um pequeno motor em uma bicicleta — algo que já existia, mas não era comum no Japão —, descobriu um promissor segmento de mercado. Logo passava a fabricar motores que eram fornecidos à empresa Kitagawa. Não demorou a ganhar reputação pela qualidade dos propulsores.

Mas ele queria mais: motorizar a população japonesa. Em setembro de 1948 fundava a Honda Motor Company, com 34 funcionários ao todo. O primeiro produto com a marca da empresa era a bicicleta motorizada Tipo A. Com o lançamento de sua verdadeira moto, a Tipo D ou Dream (sonho), em 1949, a Honda ganhava o pontapé que a levaria ao topo do mercado. Ao adotar um mecanismo automático de embreagem, o genial Soichiro havia eliminado essa manete de comando, fator de complicação para os iniciantes, o que tornou sua condução bem mais simples. O pequeno motor a dois tempos de 98 cm³ não escondia as grandes pretensões da Honda. No mesmo ano, Soichiro fechava um acordo com o amigo Takeo Fujisawa, que traria investimento e cuidaria das análises de mercado, enquanto Honda entrava com a bagagem técnica.

Seu objetivo era o mercado mundial: entendia que, se fizesse sucesso no exterior, o consumidor local também o prestigiaria. Não seria um caminho fácil, porém — no começo daquela década a Honda esteve perto da falência.

Uma situação que melhoraria com a chegada da Dream C70, em 1957, e da Super Cub C100 um ano depois - estrondoso sucesso que hoje acumula mais de 60 milhões de unidades vendidas. Antes delas vieram a Dream E (de quatro tempos e 150 cm³) em 1951, a Cub F (50 cm³) um ano depois e a Benly J (90 cm³) em 1953.

Soichiro era considerado um grande líder. Dava oportunidade a novos talentos, ensinava muito e ouvia com frequência a opinião de seus funcionários, deixando-os à vontade para sugerir melhorias. Dava muita atenção à qualidade. Entendia que um produto que pudesse ser feito em passos fáceis poderia ser bem feito, e um produto que cumprisse sua função com confiabilidade agradaria a seu usuário. "Não faça nada que dê problema a seu cliente! Ao construir alguma coisa, pense em quem vai passar o maior tempo com ela", dizia sempre.

Sua fórmula de trabalho era: reconheça uma necessidade, crie uma forma única de satisfazê-la, agregue desempenho, qualidade e confiabilidade incomuns e seu produto será bem-sucedido. Foi com esse método que ele criou a série Cub, motonetas acessíveis e simples de usar e de manter,

mas com qualidade e durabilidade surpreendentes - impressiona quantas ainda rodam décadas após sua fabricação. E foi assim que a empresa chegou à liderança do mercado japonês de motos, em 1959.

Desafios eram uma paixão do empresário. Ao começar a exportar suas motos, também em 1959, escolheu logo o competitivo mercado norte-americano, que outras marcas evitavam, preferindo ganhar espaço na Europa e no restante da Ásia. Contudo, o governo japonês impôs limites aos investimentos que poderiam deixar o país, reduzindo em 25% o montante que Soichiro pretendia usar. Além disso, as motos tiveram problemas de qualidade que não ajudariam a firmar a marca no exigente mercado. Ele então levou-as de volta ao Japão e refez grande parte de seu projeto, de modo a oferecer produtos adequados à realidade dos Estados Unidos, que incluía o tráfego a velocidades bem mais altas que no país de origem. Em 1963 a Honda se tornaria líder de vendas nos EUA e, cinco anos depois, chegaria à milionésima moto produzida.

Atento a tendências de mercado, Soichiro acompanhava também o setor de competições em busca de novas tecnologias para suas motos. Em 1961 a Honda vencia a prova Tourist Trophy na Ilha de Man, no Reino Unido, nas categorias de 125 e 250 cm³. Ele agora tinha outro plano em mente: fabricar automóveis. O Ministério do Comércio Internacional e da Indústria (MITI) do Japão, porém, negou-lhe apoio financeiro por ele não participar do zaibatsu, sistema em que as empresas eram controladas por famílias. O MITI pretendia que o Japão tivesse apenas dois grandes fabricantes de carros (Toyota e Nissan) para disputar o mercado mundial e mais um de minicarros, em vez das 10 marcas atuantes até então. Soichiro não se incomodou e lançou, assim mesmo, o utilitário T360 e o roadster S360.

Enquanto ampliava suas opções de carros e motos, a Honda ingressava em competições automobilísticas com sucesso. Começou em 1963 e, dois anos mais tarde, vencia o GP do México de Fórmula 1, categoria em que estreara no ano anterior. Dali em diante, Soichiro comandou numerosos passos da empresa. Ainda em 1963 inaugurava uma linha de produção na Bélgica; dois anos depois lançava o primeiro gerador portátil de energia, abrindo um importante mercado para a Honda; em 1968 a marca subia de categoria com o modelo 1300. Mais um ano e chegava a CB 750 Four, que marcou a classe de motos de grande cilindrada; em 1972 e 1976 chegavam às ruas os longevos Civic e Accord, na ordem. A empresa foi também a primeira das japonesas a fabricar carros nos EUA, de 1980 em diante, um novo passo no objetivo de êxito mundial de seu fundador.

Assim como não deu seguimento à oficina de bicicletas de seu pai, Soichiro firmou com o sócio e amigo Fujisawa o acordo de ambos jamais forçarem seus filhos a entrar no negócio. Em 1973 ele abdicava da presidência da empresa e se tornava consultor sênior; quatro anos mais tarde, aos 71 de idade, lançava a Fundação Honda. Em 1983 deixava em definitivo o fabricante aos 77. Morreu aos 84 anos em Tóquio em 5 de agosto de 1991, deixando esposa e três filhos.

Soichiro Honda dava muito valor ao esforço — dizia que "o sucesso representa o 1% de seu trabalho que resulta dos 99% de fracasso" — e nenhum à posição social. Defendia que roupas de trabalho e boné servissem tanto para visitar oficinas quanto para reuniões de negócios. Esperava ser julgado por seus atos, não pelo corte de seu terno.

Acessível, passeava pela fábrica conversando com os empregados, ouvindo e dando sugestões, verificando seu trabalho. Ele entendia que a ambição não é um pecado e ajudou a mostrar ao mundo que o sucesso pode ser a maior recompensa pelo trabalho árduo. Tal como aconteceu quando perseguiu o primeiro carro que viu, passou sua vida correndo com todo o empenho atrás do que parecesse estar além de seu alcance.





Fonte:
Best Cars Website

Texto: Fabrício Samahá

Fotos: divulgação